A decisão, tomada pela Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), reforça que manter valores recebidos por engano configura enriquecimento sem causa e pode gerar não só obrigação de devolver o dinheiro, mas também indenização.
O caso teve origem em um contrato de empréstimo que previa a quitação de parcela por transferência bancária.
Decisão do TJMT obriga devolução de R$ 50 mil enviados por engano e fixa R$ 10 mil em dano moral após recusa do recebedor.
No acórdão, a turma destacou que, ao manter em sua conta a quantia transferida duas vezes, sem autorização e sem justificativa válida, o recebedor incorreu em enriquecimento sem causa, o que legitimou a intervenção do Judiciário para determinar a restituição.
Provas determinantes para a condenação
A relatoria enfatizou que o conjunto de provas estava bem estruturado.
Extratos bancários, comprovantes de transferência e uma ata notarial de conversas em aplicativo de mensagens permitiram reconstituir a sequência dos fatos: pagamento da parcela, repetição do depósito e ciência do erro pelo recebedor, seguida da recusa em devolver o montante.
Com essa documentação, o colegiado afastou dúvidas sobre a origem do crédito em duplicidade e sobre a resistência em restituir o valor.
A retenção foi considerada indevida, pois não havia qualquer cláusula que autorizasse o credor a se apropriar de quantia excedente para compensar débitos diversos.
Na parte financeira, o TJMT determinou a devolução dos R$ 50 mil, corrigidos pelo IPCA e com juros pela taxa Selic, ambos contados desde a data do erro, em 7 de março de 2019.
A corte também fixou indenização por dano moral em R$ 10 mil, a ser atualizada pelos mesmos índices, a partir da citação.
O que muda para quem erra transferências via Pix
Embora o processo trate formalmente de uma transferência bancária tradicional, ocorrida antes da implantação do Pix, o entendimento firmado dialoga diretamente com situações atuais envolvendo transações instantâneas.
Em operações eletrônicas, seja TED, DOC ou Pix, o ponto central permanece o mesmo: quem recebe valor que não lhe é devido tem o dever jurídico de restituir.
Quando, mesmo avisado do erro, o recebedor se recusa a devolver o dinheiro, abre-se espaço para responsabilização civil, que pode incluir devolução do principal e pagamento de danos morais.
No universo do Pix existe, porém, uma camada operacional específica: o Mecanismo Especial de Devolução (MED), criado pelo Banco Central para lidar com situações de fraude ou falhas operacionais das instituições participantes.
Nesses casos, a vítima pode pedir a devolução junto ao próprio banco em prazo limitado.
O sistema permite o bloqueio cautelar dos valores na conta do recebedor durante a apuração, aumentando as chances de recuperação do dinheiro.
Mesmo com o aperfeiçoamento do MED, o mecanismo não substitui a via judicial: ele atua como um caminho administrativo inicial que pode ser acionado logo após o problema.
Decisões recentes sobre Pix enviado por engano
Tribunais de diferentes estados já vêm julgando casos em que o erro ocorre especificamente em transferências via Pix.
Em decisão do 2º Juizado Especial Cível de Águas Claras, no Distrito Federal, um homem que recebeu R$ 4 mil por engano foi condenado a devolver integralmente o valor, após o remetente digitar equivocadamente a chave Pix ao tentar transferir recursos entre contas próprias.
No processo, o autor relatou que tentou contato com o destinatário, mas foi ignorado e bloqueado em aplicativos de mensagem.
A instituição financeira informou que não poderia estornar ou bloquear a quantia sem ordem judicial.
Ao analisar o caso, a juíza destacou que, embora o erro na digitação tenha sido do remetente, o beneficiário não poderia se manter com valor que sabia ser alheio.
A decisão frisou que, se alguém se enriquece sem justa causa às custas de outra pessoa, surge a obrigação de restituir o que foi recebido indevidamente.
Por que a recusa pode gerar dano moral
Nem todo engano em transferência de dinheiro resulta automaticamente em dano moral.
Os julgados recentes indicam que a indenização aparece quando a conduta do recebedor supera o mal-entendido e demonstra resistência injustificada diante de prova clara do erro.
No processo julgado em Mato Grosso, pesou o fato de o recebedor ter sido informado do depósito em duplicidade, ter ciência da origem do valor e, ainda assim, se negar a devolvê-lo.
O pagador precisou recorrer ao Judiciário para reaver quantia expressiva, cenário reconhecido como capaz de gerar abalo que ultrapassa mero aborrecimento.
Na notícia oficial sobre o acórdão, a relatora registrou que é “evidente o abalo moral decorrente da angústia e frustração diante da recusa indevida em devolver numerário de sua propriedade transferido por engano”.
Essa avaliação levou à fixação dos R$ 10 mil de indenização, considerada proporcional e com função pedagógica.
O que fazer ao perceber uma transferência feita por engano
Ao notar que um valor saiu da conta por engano, especialistas orientam agir com rapidez.
O passo inicial é comunicar o banco e registrar formalmente o ocorrido, guardando protocolos, e-mails ou mensagens que comprovem o pedido.
Se a operação tiver sido feita via Pix e houver indícios de fraude ou falha operacional da instituição, o usuário pode solicitar o acionamento do MED, dentro do prazo previsto pelo Banco Central.
Em paralelo, é prudente armazenar comprovantes de transferência, extratos e registros de conversas com o recebedor.
Quando a solução extrajudicial não funciona e o recebedor mantém a recusa, esse histórico documental costuma ser decisivo em eventual ação judicial.