terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Homem transfere R$ 50 mil por engano via Pix, tenta recuperar o dinheiro e descobre que, além da restituição, Justiça fixou R$ 10 mil por dano moral

Uma transferência bancária feita por engano acabou em disputa judicial, gerando devolução de valores e indenização, após o recebedor se recusar a restituir o depósito duplicado.
Um erro na hora de transferir dinheiro terminou na condenação de um recebedor à devolução de R$ 50 mil e ao pagamento de R$ 10 mil por dano moral, depois que ele se recusou a restituir um depósito feito em duplicidade.

A decisão, tomada pela Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), reforça que manter valores recebidos por engano configura enriquecimento sem causa e pode gerar não só obrigação de devolver o dinheiro, mas também indenização.

Como o erro na transferência gerou disputa judicial
O caso teve origem em um contrato de empréstimo que previa a quitação de parcela por transferência bancária.

Ao efetuar o pagamento, o devedor acabou realizando duas transferências de R$ 50 mil para a mesma pessoa, a partir de contas diferentes, o que resultou em crédito em duplicidade na conta do beneficiário.

Assim que percebeu o equívoco, o pagador comunicou o recebedor e pediu a devolução da segunda transferência.

A resposta, porém, foi negativa. O destinatário tentou justificar a retenção alegando que usaria o valor para compensar outra dívida, não prevista no contrato.

Os desembargadores entenderam que essa compensação unilateral não tinha respaldo contratual e violava o dever de boa-fé objetiva.
Decisão do TJMT obriga devolução de R$ 50 mil enviados por engano e fixa R$ 10 mil em dano moral após recusa do recebedor.

No acórdão, a turma destacou que, ao manter em sua conta a quantia transferida duas vezes, sem autorização e sem justificativa válida, o recebedor incorreu em enriquecimento sem causa, o que legitimou a intervenção do Judiciário para determinar a restituição.

Provas determinantes para a condenação
A relatoria enfatizou que o conjunto de provas estava bem estruturado.

Extratos bancários, comprovantes de transferência e uma ata notarial de conversas em aplicativo de mensagens permitiram reconstituir a sequência dos fatos: pagamento da parcela, repetição do depósito e ciência do erro pelo recebedor, seguida da recusa em devolver o montante.

Com essa documentação, o colegiado afastou dúvidas sobre a origem do crédito em duplicidade e sobre a resistência em restituir o valor.

A retenção foi considerada indevida, pois não havia qualquer cláusula que autorizasse o credor a se apropriar de quantia excedente para compensar débitos diversos.

Na parte financeira, o TJMT determinou a devolução dos R$ 50 mil, corrigidos pelo IPCA e com juros pela taxa Selic, ambos contados desde a data do erro, em 7 de março de 2019.

A corte também fixou indenização por dano moral em R$ 10 mil, a ser atualizada pelos mesmos índices, a partir da citação.

O que muda para quem erra transferências via Pix
Embora o processo trate formalmente de uma transferência bancária tradicional, ocorrida antes da implantação do Pix, o entendimento firmado dialoga diretamente com situações atuais envolvendo transações instantâneas.

Em operações eletrônicas, seja TED, DOC ou Pix, o ponto central permanece o mesmo: quem recebe valor que não lhe é devido tem o dever jurídico de restituir.

Quando, mesmo avisado do erro, o recebedor se recusa a devolver o dinheiro, abre-se espaço para responsabilização civil, que pode incluir devolução do principal e pagamento de danos morais.

No universo do Pix existe, porém, uma camada operacional específica: o Mecanismo Especial de Devolução (MED), criado pelo Banco Central para lidar com situações de fraude ou falhas operacionais das instituições participantes.

Nesses casos, a vítima pode pedir a devolução junto ao próprio banco em prazo limitado.

O sistema permite o bloqueio cautelar dos valores na conta do recebedor durante a apuração, aumentando as chances de recuperação do dinheiro.

Mesmo com o aperfeiçoamento do MED, o mecanismo não substitui a via judicial: ele atua como um caminho administrativo inicial que pode ser acionado logo após o problema.

Decisões recentes sobre Pix enviado por engano
Tribunais de diferentes estados já vêm julgando casos em que o erro ocorre especificamente em transferências via Pix.

Em decisão do 2º Juizado Especial Cível de Águas Claras, no Distrito Federal, um homem que recebeu R$ 4 mil por engano foi condenado a devolver integralmente o valor, após o remetente digitar equivocadamente a chave Pix ao tentar transferir recursos entre contas próprias.

No processo, o autor relatou que tentou contato com o destinatário, mas foi ignorado e bloqueado em aplicativos de mensagem.

A instituição financeira informou que não poderia estornar ou bloquear a quantia sem ordem judicial.

Ao analisar o caso, a juíza destacou que, embora o erro na digitação tenha sido do remetente, o beneficiário não poderia se manter com valor que sabia ser alheio.

A decisão frisou que, se alguém se enriquece sem justa causa às custas de outra pessoa, surge a obrigação de restituir o que foi recebido indevidamente.

Por que a recusa pode gerar dano moral
Nem todo engano em transferência de dinheiro resulta automaticamente em dano moral.

Os julgados recentes indicam que a indenização aparece quando a conduta do recebedor supera o mal-entendido e demonstra resistência injustificada diante de prova clara do erro.

No processo julgado em Mato Grosso, pesou o fato de o recebedor ter sido informado do depósito em duplicidade, ter ciência da origem do valor e, ainda assim, se negar a devolvê-lo.


O pagador precisou recorrer ao Judiciário para reaver quantia expressiva, cenário reconhecido como capaz de gerar abalo que ultrapassa mero aborrecimento.

Na notícia oficial sobre o acórdão, a relatora registrou que é “evidente o abalo moral decorrente da angústia e frustração diante da recusa indevida em devolver numerário de sua propriedade transferido por engano”.

Essa avaliação levou à fixação dos R$ 10 mil de indenização, considerada proporcional e com função pedagógica.

O que fazer ao perceber uma transferência feita por engano
Ao notar que um valor saiu da conta por engano, especialistas orientam agir com rapidez.

O passo inicial é comunicar o banco e registrar formalmente o ocorrido, guardando protocolos, e-mails ou mensagens que comprovem o pedido.

Se a operação tiver sido feita via Pix e houver indícios de fraude ou falha operacional da instituição, o usuário pode solicitar o acionamento do MED, dentro do prazo previsto pelo Banco Central.

Em paralelo, é prudente armazenar comprovantes de transferência, extratos e registros de conversas com o recebedor.

Quando a solução extrajudicial não funciona e o recebedor mantém a recusa, esse histórico documental costuma ser decisivo em eventual ação judicial.

VEJA A MATÉRIA EM VÍDEO AQUI.

Marcos do caso julgado em Mato Grosso
No episódio que se tornou referência, a decisão foi unânime na Segunda Câmara de Direito Privado do TJMT, sob relatoria da desembargadora Maria Helena Gargaglione Póvoas.

O julgamento ocorreu em 28 de maio de 2025, com divulgação oficial em 14 de julho de 2025.

O processo tramita sob o número 1022601-23.2021.8.11.0015. Uma característica chama atenção: o tribunal registrou a operação como transferência bancária comum e indicou que o erro ocorreu em 7 de março de 2019, antes do lançamento do Pix.

Ainda assim, os fundamentos aplicados – devolução de valores indevidos, vedação ao enriquecimento sem causa e proteção da boa-fé – se projetam sobre as discussões atuais envolvendo Pix enviado por engano.

Sabendo desse cenário e das consequências que a recusa pode gerar, se um valor alto saísse equivocadamente da sua conta hoje, qual seria seu primeiro impulso: falar com o banco, tentar contato imediato com o recebedor, acionar o MED no Pix ou buscar orientação jurídica especializada?

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