quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Pessoas em situação de rua enfrentam rotina de espera por abrigo e alimentação, em Fortaleza

Foto Sistema Verdes Mares
Quem passa nas primeiras horas do dia pela Avenida Imperador, no Centro de Fortaleza, perto da rua Pedro Pereira, já deve ter percebido uma movimentação diferente. Logo que amanhece há uma fila de mochilas, sacolas e objetos na calçada do número 775. Com o passar dos minutos, e quanto mais próximo das 8h, as bolsas e os pertences vão ganhando rostos.

Os donos são pessoas em situação de rua que circulam pelo bairro e aguardam a chegada dos profissionais que trabalham no local, o Centro de Convivência para Pessoas em Situação de Rua, o CC. “A gente acorda por volta de cinco da manhã, aí espalha as mochilas aqui pra marcar o lugar. Às sete horas eles vêm, dão essa senhazinha aqui. São 60 senhas dessas, se você perder, não entra”.

A explicação é do Paulo Roberto, ajudante de obra e está há 15 dias em situação de rua em Fortaleza. Ele conta que veio do Rio de Janeiro ao Ceará a trabalho e foi assaltado. Sem documentos, celular e dinheiro, ficou ao relento.

"Eu tava trabalhando em Nova Russas, aí resolvi ir embora pra o Rio. Dormi num hotelzinho e sábado fui pra praia, tirar uma ‘selfie’ pra levar de recordação das praias de Fortaleza. Deitei na areia pra tirar um cochilo e roubaram tudo o que eu tinha. 

Tô preso aqui, sem documento, sem nada. Agora que a cidade tá começando a me ajudar a tirar os documentos. Não tenho o telefone de ninguém gravado na cabeça, eu era dependente do celular. Já tem 15 dias que era pra eu tá em casa e eu não tô ainda", lamenta.

A situação do Paulo é mais comum do que se possa imaginar. A Camila (nome fictício) também conta que foi roubada e não consegue voltar pra casa, em Búzios, município fluminense. Na fila esperando o horário do café da manhã que vai ser servido no CC, ela relata que foi vítima de violência doméstica.

“Eu vim pra cá pra ajudar meus filhos, nós é de lá, e aí deu errado, o pai dos meus filhos tentou me matar, covardia que ele fez. Eu não tenho mais aonde ir. Roubaram meus documentos tudo, certidão, tudo, tudo, roupa, agora quero ir embora, que eu nunca vivi isso.”

A saga pela vaga e pelo ‘bico’

Camila e Paulo conseguiram dormir em uma das duas Pousadas Sociais da cidade na noite anterior. Os equipamentos, localizados nas avenidas Imperador e Dom Manuel, abrigam até 240 pessoas para pernoite. A vaga não é garantida para o dia seguinte e, por isso, é preciso chegar cedo.

“Muita gente entra na fila. Se der pra pegar, pegou; se não der, a gente já vai procurar outro meio”, relata Francisco Luiz, de 49 anos. Rafael Silva, de 41, denuncia a dificuldade. “Uma capital dessa, grande, que abrange uma população de rua, grandona, só tem um abrigo.”

Como não tem café da manhã nas pousadas, as pessoas em situação de rua levantam cedo para entrar em outra fila, a do Centro de Convivência. No intervalo de um para outro, é tentar a sorte. “Fico aqui ou vou andar pra pedir as coisas, ou esperar um ‘estouro’, que às vezes nem tem”, diz Camila. Estouro é como eles chamam a doação de comida e bebidas oferecidos em outros pontos do Centro de Fortaleza.

A Vanessa (nome fictício), uma mulher trans, fala sobre a rotina diária para conseguir alimentação. “Nós vamos atrás em praça, em coisa de instituição que ajuda a gente, entendeu? Aí é todo dia. Tem mesão social, tem CC, à noite 'nós dorme' na pousada. Aí é essa rotina, até sair da rua.”

Muitos buscam fazer pequenos serviços para conseguir algum dinheiro. "Nós vamos procurar juntar uma reciclagem, né? É para ganhar um dinheiro, pra poder comprar e garantir já quentinha, a refeição do dia. Depois que almoçar, vai descansar um pouquinho. Se aparecer algum serviço lá pelo mercado [São Sebastião] a gente ajuda, né? E ganha mais outro trocadinho. E assim vai levando. Quando a gente pensa que não, já passou 24 anos", conta Francisco Luiz.

"Normalmente tem gente que trabalha como flanelinha, não 'trabalho’, mas bico. Se fosse trabalho, teria condições de pagar um aluguel. Outros fazem favor a um comerciante, aqui ou ali, faz um mercado, vive fazendo um favor a um e a outro" relata outra pessoa em situação de rua, que não quis se identificar.

Com informações do G1 Ceará

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