Ele tinha 54 anos, era saudável e em boa forma física, um corredor dedicado sem vícios — não fumava, não bebia e não usava drogas. Então, quando repentinamente começou a sentir fraqueza no lado esquerdo, dormência e dificuldades com equilíbrio, caminhada, deglutição e fala, um familiar o levou às pressas para uma clínica especializada em AVC.
“Sua pressão arterial estava altíssima — cerca de 254 por 150 milímetros — ainda assim, ao olhar para ele, você nunca saberia, pois ele parecia tão bem. É por isso que chamamos a hipertensão de assassina silenciosa”, disse o Sunil Munshi, médico consultor do Hospital Universitário de Nottingham do NHS (Sistema Nacional de Saúde) do Reino Unido.
Munshi é o autor principal de um relatório de caso sobre o homem, um trabalhador de armazém de Sherwood, Nottingham, cujo nome foi mantido em sigilo para proteger sua privacidade. O artigo foi publicado na terça-feira (9) na revista científica BMJ Case Reports.
A pressão arterial normal para adultos é menor que 120 por 80 mmHg (milímetros de mercúrio). Pressão arterial de 180 por 120 ou superior é considerada uma crise médica que requer atendimento de emergência imediato.
“Seu lado esquerdo estava dormente, e as tomografias mostraram que ele teve um AVC na parte mais profunda do cérebro, o tálamo, o que explica a instabilidade”, disse Munshi. “Ele foi internado, e o tratamos com cinco medicamentos diferentes até sua pressão arterial cair para 170.”
De volta para casa, a pressão arterial do homem continuou a subir, chegando a 220 apesar dos diversos medicamentos. Munshi e sua equipe procuraram respostas por semanas, realizando extensivos exames que resultaram negativos. Então, um dia, o homem contou a Munshi sobre seu hábito de consumir bebidas energéticas.
“Todos os dias ele consumia oito bebidas energéticas altamente potentes para se manter alerta no trabalho — duas latas em quatro momentos diferentes durante o dia”, disse Munshi. A marca foi omitida do estudo. “Cada uma das bebidas continha 160 miligramas de cafeína. Repentinamente o diagnóstico ficou claro.”
Algumas bebidas energéticas podem ter até 500 miligramas de cafeína, em comparação com 30 miligramas no chá e 90 miligramas no café, disse o primeiro autor do estudo, Martha Coyle, médica residente do Hospital Universitário NHS de Nottingham.
“No Reino Unido, as diretrizes sugerem 400 miligramas de cafeína por dia, entre duas e quatro xícaras”, disse Coyle. “Este paciente estava consumindo entre 1.200 e 1.300 miligramas, três vezes a quantidade recomendada.”
A FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos) também recomenda não mais que 400 miligramas por dia.
Apenas algumas semanas após interromper o consumo da bebida energética, a pressão arterial do homem voltou ao normal. Hoje, anos após o incidente, ele está saudável, mas ainda convive com as sequelas do AVC.
“Obviamente, eu não estava ciente dos perigos que as bebidas energéticas estavam me causando”, disse o homem aos seus médicos. “Fiquei com dormência no lado esquerdo da mão e nos dedos, no pé e nos dedos dos pés, mesmo depois de 8 anos.”
Combinação de ingredientes “causa estragos”
Não é apenas o alto nível de cafeína. As bebidas energéticas atuais também contêm ingredientes que aumentam a pressão arterial, como o aminoácido taurina, explicou Munshi.
“Bebidas energéticas que contêm cafeína mais taurina produzem pressão arterial significativamente mais alta do que a cafeína sozinha”, disse ele. “Elas também contêm altos níveis de glicose — sabemos que o açúcar danifica os vasos sanguíneos no diabetes, o que leva a danos cardíacos.”
As bebidas energéticas também costumam conter ginseng, que afeta o metabolismo, e guaraná, uma planta que contém cafeína em concentração duas vezes maior que um grão de café, segundo o estudo. Estimulantes mais leves como a teofilina, encontrada no cacau, e a teobromina, encontrada no chá, também são frequentemente incluídos, disse Coyle.
Tais bebidas energéticas podem causar arritmias cardíacas, danificar o endotélio, o tecido que reveste os vasos sanguíneos, e agregar plaquetas sanguíneas, explicou Munshi.
CNN Brasil